O lazer é um assunto comum no cotidiano, porém, será que sabemos realmente da sua essencialidade? Em uma sociedade definida como do cansaço, é importante e interessante pensar como essas ações são pensadas, produzidas e efetivadas.
O lazer é definido popularmente como algo que as pessoas escolhem fazer por proporcionar o bem-estar pessoal. Dessa forma, é o tempo utilizado para atividades prazerosas, geralmente, com o intuito de um descanso das atividades de trabalho ou de obrigações, sendo visto como uma importante fonte para o desenvolvimento e para a qualidade de vida dos indivíduos. Popularmente, essas ações são relacionadas com o descanso, mas não necessariamente estão atreladas a atividades estagnadas ou calmas, por exemplo, o ato de praticar um esporte e estimular o corpo é considerado um descanso e um cansaço positivo para indivíduos.
A partir da perspectiva psicológica, o lazer deve ser compreendido através do significado que cada pessoa dá a uma atividade, e não à atividade em si, de modo que ele pode assumir formas diversas para diferentes pessoas. Assim, o lazer é definido individualmente de acordo com os gostos e os recursos disponíveis para satisfazer necessidades e interesses pessoais, bem como as influências sociais e culturais presentes em torno do indivíduo (Nunes et al., 2014).
Durante a adolescência, por exemplo, o cultivo do tempo livre cumpre várias funções, como estabelecimento de relações, compreensão de seus processos psíquicos, construção da independência emocional, tomada de consciência da sua originalidade e criatividade. Para além desses fatores mais pessoais, são estabelecidas conexões no âmbito comunitário, como adoção de uma escala de valores que permite integrar-se à comunidade e preparar-se para o desempenho de funções sociais, aproveitamento da cultura, formação de ideais, e entre outros diversos fatores importantes para a construção de um indivíduo (Sarriera et al., 2007).
Agora um exemplo atual: muito se questiona o motivo das pessoas de periferias/favelas frequentarem espaços como bailes funk, mais comuns no Rio de Janeiro, ou paredões, como os que acontecem aqui em Salvador. Essas questões acontecem, muitas vezes, por puro preconceito cultural, mas também devido a situações violentas ou perigosas que, por vez, acontecem nesses espaços. A resposta meio que já foi entregue: essas festas fazem parte da cultura desses bairros e comunidades, foram construídas percepções de pertencimento, um lugar para curtir, ver pessoas que você conhece e gastar o seu tempo livre. Para você não faz sentido ir curtir um paredão? Tudo bem, não vá, mas muitas outras pessoas gostam e querem estar ali e isso faz toda diferença para o lazer delas pessoas.
Dessa forma, as vivências culturais, os hábitos adquiridos e os processos de socialização são aspectos que influenciam diretamente no uso do tempo livre e este, reciprocamente, se expressa a partir de tais variáveis sociais. Assim, a forma como o indivíduo utiliza o seu tempo livre está diretamente ligado com o aspectos culturais, econômicos, ideológicos e físicos na qual está inserido, incluindo as variáveis psicológicas individuais (Sarriera et al., 2007). Logo, recortes, como de raça ou gênero e entre outros, são importantes de analisar, pois estarão intrinsecamente conectados aos resultados e consequências presentes nessas ações.
O cultivo do tempo livre cumpre várias funções para os adolescentes, como por exemplo: o estabelecimento de relações, a compreensão de seus processos psíquicos, a construção da independência emocional, a tomada de consciência da sua originalidade e criatividade, a adoção de uma escala de valores que permite integrar-se à comunidade e preparar-se para o desempenho de funções sociais, aproveitamento da cultura, formação de ideais, etc. Todos esses aspectos contribuem para o desenvolvimento integral da personalidade.
A falta de acesso às atividades de lazer e cultura são, inclusive, um problema comum para adolescentes das classes populares, indicando que muitos adolescentes no Brasil possuem uma limitação de recursos por parte de suas famílias, da própria comunidade e até da escola, que poderia oferecer e estimular atividades recreativas e culturais (Sarriera et al, 2007).
Existem diferenças na importância do lazer para os adolescentes, adultos e idosos?
Essa pergunta inicialmente me fez pensar sobre diferenças entre atividades que seriam escolhidas para o lazer. Mas, na verdade, é melhor falar sobre diferenças de objetivos/motivações de lazer. A trajetória da vida adulta e o envelhecimento é entendido como um processo que envolve diversas dimensões que se inter-relacionam, sendo as mais importantes aspectos biológicos, psicológicos, sociais e de ajustamento a novas situações de vida. Logo, obter habilidades necessárias para cuidar de si mesmo representam um fator crítico para a saúde e para o bem-estar na vida adulta e, principalmente, na vida dos idosos. Para que se tenha indivíduos e uma sociedade equilibrada, é necessário que os direitos sociais dos cidadãos sejam garantidos; é de senso comum a importância da educação, da saúde, da alimentação, do trabalho, da moradia e, segundo a Constituição Brasileira de 1988, o lazer também é um desses direitos sociais.
Entre os fatores que podem contribuir para que se tenha qualidade de vida, o lazer tem sido destacado como importante. Contudo, por conta de diversos fatores e, principalmente, pela importância e essencialidade que o trabalho tomou em nossa sociedade, essa atividade obrigatória ocupa grande parte do dia dos adultos, de maneira que o tempo livre parece ser escasso ou, até mesmo, nulo.
Segundo Texeira (2007), que utiliza os estudos de Dumazedier, existem quatro funções básicas do lazer. Sua primeira função é a liberação e o prazer. Nesse sentido, “o lazer é reparador das deteriorações físicas e nervosas provocadas pelas tensões resultantes das obrigações cotidianas e, particularmente, do trabalho”. A segunda função está relacionada com divertimento, recreação e entretenimento, atuando como um fator de equilíbrio entre obrigações e vida social, um meio de evasão do cotidiano. A terceira função colabora com a construção do desenvolvimento da personalidade, permitindo uma participação social ampla e mais livre. Dessa forma, são criadas novas possibilidades de engajamento voluntário com grupos recreativos, culturais e sociais. Em suma, o lazer coopera também com a adaptação a uma sociedade em mudança, gerando condutas e um estilo de vida ativo, saudável e produtivo.
Indicação de filmes para entender melhor o assunto
Sinopse: Em Turma da Mônica - Lições, Mônica (Giulia Benitte) é transferida para outra escola, desencadeando a separação do grupo formado por ela, Cebolinha (Kevin Vechiatto), Magali (Laura Rauseo) e Cascão (Gabriel Moreira). A decisão foi tomada pelos pais dos quatro amigos, que acham que eles estão passando tempo demais juntos e que isso pode prejudicá-los em suas responsabilidades. A partir dessa ruptura, eles são forçados a encontrarem novos amigos e enfrentarem seus próprios medos e inseguranças, e decidem tomar uma medida drástica: fugir. A turma terá então que encarar as consequências de suas decisões, amadurecer e descobrir o real valor e sentido da palavra amizade. O longa é uma sequência do filme Laços. (Adoro Cinema)
Lições (2021), além de trazer o conforto nostálgico dessa turma, expõe reflexões sobre como é crescer, ver as coisas, as pessoas, os seus gostos e pontos de vista mudarem. De repente o parquinho ficou muito pequeno e a necessidade de se redescobrir ficou enorme. Entender sobre os seus defeitos e problemas pessoais, saber melhor o que hoje é divertido ou não como lazer e conseguir ultrapassar diferenças entre amizades. O lazer aparece como uma ação importante, contudo expõe também como o mesmo pode ser negativo quando a pessoa não se vê naquelas atividade ou não se sente aceito no ambiente. A adolescência, por ser uma fase de mudanças, ao conectar com o lazer mostra como os personagens se sentem ao não conseguirem fazer mais o que antes era divertido, confortável e como eles lidam com as mudanças de hábitos e autoconhecimento.
O amadurecimento - e as lições que com ele vêm - chegam com a jornada distinta, uma que leva Mônica para uma nova escola, Cebolinha para o fonoaudiólogo, Cascão para a natação e Magali para uma aula de culinária. - Omelete
Sinopse: Em Soul, duas perguntas se destacam: Você já se perguntou de onde vêm sua paixão, seus sonhos e seus interesses? O que é que faz de você... Você? Joe Gardner é um professor de música do ensino médio que sempre sonhou em ser músico de jazz. Mas quando, finalmente, tem a chance de impressionar outros músicos durante um ensaio aberto, sofre um acidente que faz com que sua alma seja separada de seu corpo e transportada para um centro no qual as almas se desenvolvem e ganham paixões antes de serem enviadas para um recém-nascido. Joe deve trabalhar com 22, uma das almas em treinamento, que tem uma visão obscura da vida depois de ficar presa por anos no centro evitando seguir para a Terra. (Adoro Cinema)
Soul (2020) é uma animação emocionante e reflexiva sobre diversas questões da vida, uma dessas discussões é sobre o lazer pessoal e o desenvolvimento humano, artístico e espiritual. O personagem passa por uma trajetória de descoberta de si, do que realmente é satisfatório para ele, seus propósitos e inspirações para viver e como isso vai impactar no desafio retratado no filme.
Espero que tenham gostado do texto e que, de certa forma, eu tenha conseguido adicionar um pouco mais de conhecimento/informação para vocês. Assistam os filmes e divirtam-se refletindo sobre o que conversamos aqui!
OBS: Esse texto foi produzido e reorganizado a partir de um trabalho em grupo que eu participei e apresentei.
Como citar
FARIAS, A. M.. Qual a importância do lazer na sociedade? Blog AMF. Salvador, 8 de agosto de 2024. Disponível em: https://alanamarafarias.wixsite.com/blog/post/qual-a-importancia-do-lazer-na-sociedade
Referências
MARCINO, L. F. et al. Prática de lazer em adolescentes e fatores associados: implicações para o cuidado. Acta Paulista de Enfermagem (2022). Disponível em: https://acta-ape.org/en/article/leisure-practice-in-adolescents-and-associated-factors-implications-for-care/. Acesso em: 08 set. 2024
MARTINS, R. M. L. (2016). Os idosos e as actividades de lazer. Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health, (38), 243–251. Disponível em: https://revistas.rcaap.pt/millenium/article/view/8260
NUNES, M. F. O. et al . Satisfação e autonomia nas atividades de lazer entre universitários. Psicol. teor. prat., São Paulo , v. 16, n. 1, p. 91-103, abr. 2014 . Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100008&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 07 set. 2024
PYLRO, S. C.; ROSSETTI, C. B.. Atividades lúdicas, gênero e vida adulta. Psico-USF, v. 10, n. 1, p. 77–86, jun. 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-82712005000100010
SARRIERA, J. C. et al. Significado do tempo livre para adolescentes de classe popular. Psicologia: Ciência e Profissão, S.I, v. 27, n. 4, p. 718-729, dez. 2007. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932007001200012&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 04 set. 2024
SARRIERA, J. C. et al. Uso do tempo livre por adolescentes de classe popular. Psicologia: Reflexão e Crítica, [S.L.], v. 20, n. 3, p. 361-367, 16 jun. 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-79722007000300003. Acesso em: 07 set. 2024
TEIXEIRA, S. M.. Lazer e tempo livre na “terceira idade”: potencialidades e limites no trabalho social com idosos. Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 169-188, dez. 2007.
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