Jantar Secreto é o primeiro livro que leio de Raphael Montes, porém já assisti a série Bom dia, Verônica!, então, eu já esperava como seria o impacto da história. O livro começa de forma lenta, mas instigante o bastante para que o leitor consiga ficar preso com cada página, ainda mais pensando que sabemos do que se trata: canibalismo. Logo, ficam os questionamento: como os personagens chegaram a esse ponto? Qual o desenrolar desta história?
SINOPSE: Um grupo de jovens deixa uma pequena cidade no Paraná para viver no Rio de Janeiro. Eles alugam um apartamento em Copacabana e fazem o possível para pagar a faculdade e manter vivos seus sonhos de sucesso na capital fluminense. Mas o dinheiro está curto e o aluguel está vencido. Para sair do buraco e manter o apartamento, os amigos adotam uma estratégia heterodoxa: arrecadar fundos por meio de jantares secretos, divulgados pela internet para uma clientela exclusiva da elite carioca. A partir daí, eles se envolvem em uma espiral de crimes, descobrem uma rede de contrabando de corpos, matadouros clandestinos e grã-finos excêntricos, e levam ao limite uma índole perversa que jamais imaginaram existir em cada um deles (AMAZON).
Assim como qualquer grupo de amigos muito antigo, os personagens de Jantar Secreto são bem diferentes. Miguel é mais pé no chão, centrado e sensato na tomada das decisões, é um homem negro que cursa medicina. Hugo me parece uma pessoa fria, mais fechado e é o primeiro a mergulhar de cabeça nessa treta toda. Ele é o gastronômico da casa e chefe da experiência. Leitão, é um cara meio deslocado da realidade, possui um emocional instável. Ele toma em vários momentos o local de cabeça central dos planos da história, principalmente por ser o nerd que cuida de assuntos tecnológicos. E por fim, temos o Dante, uma pessoa que se questiona muito, tem muitas reflexões, mas, ao mesmo tempo, parece se deixar levar muito fácil. Pelo menos até o fim dessa trama toda. Ele trabalha numa livraria e é estudante de administração.
O grupo de amigos possuem descrições variadas, mas, ao meu ver, nenhum deles parece ter algum tipo de ligação ou elementos que façam com que o leitor possa se preocupar/apegar durante a história. Talvez essa seja uma estratégia do autor, visto que seu livro é duro, apelando para todos os podres possíveis das pessoas envolvidas trama. O livro, mesmo envolvendo um assunto polémico, faz com que esse tópico seja apenas mais um, pois o choque real está em como as pessoas agem no decorrer de tudo. Para ler esse livro o leitor tem que estar preparado para imaginar os terrores sangrentos, mas também imaginar como o social pode ser cruel e ficar assombrado com as possíveis situações que podem estar escondidas por aí.
Agora, enxergo como foi horrível o que começamos naquela noite. E entendo que tanta monstruosidade não poderia mesmo terminar bem. A distância e o tempo possibilitam uma visão mais clara dos fatos. Naquele momento, eu não me considerava um escroto, não era um cara cruel que acordava pensando maldades. Sempre ajudei cegos a atravessar a rua, contribuí com uma instituição que ajudava crianças doentes e, nas horas vagas, gostava de compartilhar vídeos de animais bonitinhos no Facebook. Eu negava esmola, mas pagava um salgado para quem tinha fome. Gostava de bloco de Carnaval, de brindar o Réveillon e de fazer sexo. Era exatamente como você, como todo mundo. Só queria ser feliz.
Depois do que contei, é claro que você está me julgando. Deve estar aliviado, pensando: Eu jamais faria o que ele fez, esse cara é um psicopata. Sou seu termômetro de criminalidade, seu espelho de morbidez, sua bússola de loucura. Mas a verdade é que, se estivesse no meu lugar, você teria feito o mesmo. É fácil condenar alguém, pulverizar a responsabilidade, montar teorias e encontrar culpados.
Mas repito: você teria feito igualzinho.
Do início até o fim, o livro segue em uma trajetória muito instigante, acompanhamos todo o desenrolar de uma forma crescente, pois cada passo é detalhado e é desesperador ver como aquelas pessoas estão indo longe. As descobertas, as pessoas envolvidas, as vítimas que são utilizadas e como a vida de todos é virada de ponta cabeça. Em vários momentos pensei sobre como seria mais fácil, se eles tivessem feito escolhas mais simples, menos drásticas, mas ao mesmo tempo é impossível deslocar a atenção do livro. Pensamento constante: QUE LOCURA!
Agora, falando de alguns pontos negativos. Mesmo o livro sendo pequeno, acredito que em alguns momentos o autor exagere nas descrições e prolongamentos, então, houveram cenas que, para mim, foram desnecessariamente extensas. Isso, consequentemente, me fez perder o foco do livro e dar uma pausa na leitura, o que pareceu estragar a experiência na hora de finalizar a história. Além disso, algumas cenas e falas parecem ser construídas apenas pelo choque, pois não necessariamente tiveram uma colaboração para o desenrolar da história, sabe? Eu entendo a tentativa de ser um livro bastante crítico com assuntos variados da nossa realidade, mas algumas coisas poderiam ser descartadas.
É impossível não comparar com outros livros, principalmente se possuírem assuntos similares. Logo, foi certa a minha lembrança de Saboroso Cadáver (Resenha aqui), pois é um livro repleto de descrições, faz a sua imaginação viajar, mas de uma forma muito mais fluída. Mesmo sendo tão pesado quanto, um consegue ser mais equilibrado e o outro não mantém isso. Muitas cenas que foram nomeadas como sangrentas e chocantes em Jantar secreto, realmente me chocaram, mas, ao mesmo tempo, me pareceram esquecíveis. Acho que esse livro é mais um caso de ame ou odeie.
FICHA TÉCNICA
Título | Jantar secreto
Autor | Raphael Montes
Editora | Companhia das Letras
Ano de publicação | 2016
Idioma | Português
Páginas | 368
SOBRE O AUTOR
Raphael Montes nasceu em 1990, no Rio de Janeiro. Escritor e roteirista, publicou os romances Suicidas, Dias perfeitos, O vilarejo, Jantar secreto e Uma mulher no escuro, vencedor do Prêmio Jabuti 2020. Seus livros estão traduzidos em mais de 25 países e têm os direitos de adaptação vendidos para o teatro e o cinema. Escreveu os filmes Praça Paris, A menina que matou os pais e O menino que matou meus pais. É criador, roteirista-chefe e produtor-executivo de Bom dia, Verônica, série de sucesso na Netflix, vencedora do Prêmio APCA 2020 nas categorias melhor ator, melhor atriz e melhor dramaturgia (AMAZON).
Comments