As interações sociais podem ser definidas como um conjunto de trocas de ações e comunicações interdependentes entre indivíduos que vai promover uma influência recíproca na interação e no comportamento/reação dos indivíduos. Na obra de Goffman (2002), o autor apresenta sua teoria sobre o fenômeno das interações sociais, refletindo sobre a apresentação ou performance do eu, pessoa ou equipe, nos papéis e ações realizados na presença de outros. Contudo, quando é feita uma análise da teoria com as diversas maneiras de comunicação que existem atualmente, é possível identificar como essas conexões ficam um pouco limitadas, pois, em sua teoria, o autor não traz uma relação com algum tipo de tecnologia, por exemplo. Desde 1985, ano de publicação do livro de Goffman, até os dias atuais, o mundo vem passando por uma revolução tecnológica e, hoje, são esses artifícios que movem as situações, contextos e vidas ao redor do mundo. Não à toa que falamos sobre globalização, ou seja, um processo de expansão econômica, política e cultural a nível mundial, mas também a conexão entre pessoas mesmo em distâncias absurdas.
A popularização e produção de dispositivos móveis ocorre de forma acelerada, estimulando e ampliando a função dessas tecnologias na produção e circulação de informações entre os usuários, elaboração de novos arranjos, acordos e expectativas interacionais (Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, 2018). Dessa forma, este ensaio objetiva falar sobre os tipos de interação que utilizamos socialmente, além de debater e exemplificar situações sobre como as interações sociais ocorrem no contexto digital e como os comportamentos on-line são delineados/influenciados pelo contexto digital.
Os tipos de interações sociais e as suas particularidades
Ao utilizar parte da teoria de Goffman – aproveitando conceitos como região de frente, região de fundo, cenário e entre outros, como suporte para atualizações e novas reflexões – John B. Thompson desenvolveu uma teoria particular sobre as formas de comunicação chamada de teoria interacional da mídia, na qual o autor explica que, para entender sobre ‘‘[...] os meios de comunicação e seu impacto, deve analisá-los em relação aos tipos de ação e interação que eles tornam possíveis e criam’’ (Thompson, 2018, p. 18). Logo, o autor expõe que é preciso enxergar o uso dos meios de comunicação relacionados ao surgimento de novas formas de agir e interagir, novos tipos de relações sociais e novas formas de relacionamento entre as pessoas presentes nessas interações. Dessa forma, ampliando análises e reflexões sobre as interações sociais, Thompson distingue quatro tipos básicos de interação, sendo o último resultado da revolução digital e do crescimento da internet: 1) interação face a face; 2) interação mediada; 3) quase-interação mediada; e 4) a interação mediada on-line.
O primeiro tipo de interação, chamado de interação face a face, ocorre um cenário de mesmo espaço-tempo comum, copresença, envolve um fluxo de trocas de informação e comunicação e envolve múltiplos sinais simbólicos (palavras, expressões, gestos e entre outros); o que Goffman articulou em ‘‘A representação do eu na vida cotidiana’’ (2002). É interessante refletir em como a interação face a face é importante para os seres humanos, durante a pandemia de Covid-19, por exemplo, mesmo que fosse possível manter comunicação com outras pessoas em isolamento a partir de smartphones e computadores, a falta desse tipo de interação foi definida como um fator estressor para as pessoas. Segundo estudos, nesse cenário, o medo intensificou os níveis de estresse e ansiedade em pessoas saudáveis e aumentou os sintomas das pessoas que já lidavam com transtornos mentais; situações como afastamento de familiares e amigos, a constante incerteza quanto a duração deste isolamento e a perda do direito de ir e vir são alguns dos fatores de estresse (Pereira et al, 2020).
O segundo tipo de interação, a interação mediada, envolve o uso de um meio técnico de comunicação que vai viabilizar que informações e sinais simbólicos sejam transmitidos para outras pessoas que estão distantes no espaço ou no tempo, ou em ambos, como e-mail, cartas e ligação telefônica. Além disso, mesmo sendo de caráter dialógico, ou seja, uma troca de informações, o meio comunicativo utilizado é limitado nas possibilidades de sinalizações simbólicas. É interessante, e até engraçado, refletir como hoje uma ligação pode ser uma ação invasiva ou, então, um sinal de alerta sobre alguma situação perigosa. Cada vez que surge uma nova tecnologia, alguma também vai ficar ultrapassada, esquecida ou vai ser remanejada para coisas específicas, como por exemplo, hoje é mais comum utilizar uma ligação para assuntos sérios ou urgentes. Assim como uma carta é usada para assuntos burocráticos, como contas ou cobranças, e o e-mail é uma formalidade utilizada na academia, por exemplo. Porém essa definição também expõe demarcações geracionais que, mesmo se adaptando aos usos sociais atuais, encontram pequenos pontos de contradição que demarcam essas situações.
O terceiro tipo de interação é chamado de quase-interação mediada que, basicamente, seria o modo como a mídia se comunica e passa informações para as outras pessoas, ou seja, é o tipo de interação que acontece a partir de livro, jornal, rádio, TV e entre outros meios de comunicação. Essa interação ‘‘[...] envolve a extensão das relações sociais no espaço e no tempo e produz certa restrição no leque de pistas simbólicas’’ (Thompson, 2018, p.20), porém, em comparação com a interação mediada, esse tipo se difere por ser monológico, logo, o fluxo de comunicação é em grande parte unidirecional e essas informações vão impactar uma grande gama de pessoas, é uma forma de comunicação aberta. Atualmente, já é possível ver uma mescla de tipos de comunicação, no rádio, por exemplo, alguns programas recebem ligações ao vivo ou, então, envios de áudios por WhatsApp que são respondidos ou utilizados para fomentar debate ali presente. Nos programas de TV também, são utilizados artifícios como Twitter para que os espectadores interajam com os assuntos pautados e os apresentadores. Será que haveria a necessidade de estabelecer algum outro tipo de interação ou a interação quase-interação mediada consegue dar conta desta nova combinação? Ambos os exemplos são conectados a outro tipo de interação criado por Thompson que vai ser explicado a seguir.
O quarto tipo de interação, chamado de interação mediada on-line, segundo o autor, foi criado devido a necessidade de abranger outros contextos por causa da revolução digital e o enorme crescimento da internet. Esse tipo de interação também possui a extensão das relações sociais através do espaço e do tempo e limitações nas pistas simbólicas, porém, contém caráter dialógico e a particularidade de atingir múltiplos públicos, para além do destinatário. Os ambientes ou contextos on-line criaram novas maneiras de interação e ação através de dispositivos como o computador e smartphone, principalmente esse último, por ser portátil e fácil de levar para qualquer lugar. O smartphone se tornou um instrumento para variadas atividades cotidianas e, consequentemente, um dos principais mediadores de diferentes cenários de interações e relacionamentos sociais. Logo, a ampliação do uso faz essas ferramentas trazem implicações importantes nos aspectos relacionais, sociais, culturais e econômicos nos diferentes contextos socioculturais (Ribeiro et al, 2019).
Para além dos dispositivos em si, foram criadas também ferramentas que colaboram para que essas mudanças comunicacionais ocorram, os chamados sites de redes sociais, as SRS, como foi designado por Thompson (2018), que vão gerenciar esse novo tipo de interação mediada. Sites como Facebook, Twitter (atual X), Instagram e entre outras plataformas viabilizam que os indivíduos virem usuários e possam criar e manter relações, comunicações e outros tipos de trocas com outras pessoas, essas podendo ser do seu cotidiano, contextos de interação face a face, ou pessoas que nunca viram na vida e conheceram a partir dessas redes sociais virtuais. Esses sites permitem diversos tipos de interações, entre curtidas, comentários e postagens de informações e imagens, diferentes recursos e aplicativos compactuam para que as pessoas possam se comunicar e interagir cada vez mais fácil e cada vez com mais pessoas. Por exemplo,
SRS como o Facebook geralmente possuem, além do feed de notícias, um recurso de mensagens privadas semelhante ao e-mail, que permite aos indivíduos enviarem mensagens para determinados participantes ou grupos – desse modo, a interação mediada e a interação mediada on-line são facilitadas pela mesma plataforma e os usuários podem mover-se facilmente entre elas. (Thompson, 2018, p.23)
Diminuir distâncias é o objetivo que essas redes sociais mais conseguem atingir, pois, em aplicativos como Twitter, cada vez mais as pessoas conseguem fazer os seus Tweets atingir pessoas diferentes, de outros lugares e com contextos diversos. Contudo, pensando na estrutura dessas redes sociais e em como os algoritmos funcionam, a sensação de atingir pessoas diferentes mesmo sendo válida, ainda assim, as mídias são regidas por algoritmos, logo, cada rede social indica para seus usuários os assuntos de maior relevância que estão presentes nos seus dados de navegação (Pedrosa & Caracho Júnior, 2021; Sastre, Correio & Correio, 2018). Dessa forma, mesmo sendo um contexto digital amplo, a chamada “bolha dos filtros”, segundo Pedrosa e Caracho Júnior (2021), constroem e permitem conexões entre pessoas que possuem os mesmos perfis dentro de assuntos diversos, tudo a partir das curtidas, cliques e retweets dos usuários.
Um exemplo interessante de pontuar sobre essas bolhas, é a difusão, progressão e aceitação de pautas sociais, como as causas das comunidades Negras, Indígenas e LGBTQIAP+, por exemplo. No ambiente virtual, onde diversas pessoas conseguem se conectar e falar sobre esses assuntos abertamente e com maior aceitação, são geradas expectativas de que, quando esses debates fossem ampliados para o meio social, a aceitação e progressão seriam tão positivas quantos os debates on-line conseguem ser. Porém, como aconteceu esse ano, a Câmara dos Deputados estava debatendo sobre um projeto de lei, relatado pelo deputado Pastor Eurico (PL- PE), que tem como proposta a proibição do casamento homoafetivo e chegou a ser aprovada em uma das votações, ganhando certo apoio público de parcela da sociedade. Desde 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha decidido seriam aceitas as uniões entre pessoas do mesmo sexo, assim como, no âmbito do direito civil, às uniões entre pessoas de sexos opostos (Salles, 2023). É um exemplo extremo, mas marcante para debater o assunto, pois é uma tendência ao retrocesso que não era esperada. Em suma, para melhor entendimento do conceito,
De acordo com Pariser (2011), o “filtro bolha” é um conceito utilizado para denominar a ação dos algoritmos como filtros no ambiente virtual, que atuam como motores de previsão que influenciam e direcionam o acesso de conteúdo baseado no perfil e hábitos de consumo do usuário dando a sensação de eficiência na busca de ideias e informações, mas restringindo a maneira com a qual é realizada a pesquisa, ou mesmo, a definição de conteúdo. Esse mecanismo é muito utilizado, por exemplo, por buscadores como Google ou mídias sociais como o Facebook. (Sastre, Correio & Correio, 2018, p. 6).
Além do primeiro exemplo, essa limitação de espaços também favorece, mesmo que não seja uma regra, a ocorrência de outro fenômeno contemporâneo: Fake News (notícias falsas); a disseminação dessas informações duvidosas e falsas é reforçada dentros dessas bolhas virtuais, principalmente quando a informação favorece debates e opiniões do grupo em questão. Dessa forma, momentos de polarização entre dois grupos políticos, como ocorreram nas brasileiras eleições de 2023, vão ser reforçados, pois, os usuários que demonstrarem interesse por informações sobre lado “A”, seriam impulsionados pelo ‘‘filtro bolha’’ e limitando o acesso a outras informações divergentes. Como foi dito anteriormente, os dispositivos eletrônicos que permitem novas formas de comunicação mais rápidas, viabilizam também a produção e distribuição de conteúdo, ocasionando o envio e o recebimento de informações sem a necessidade de mediadores (Sastre, Correio & Correio, 2018). ‘‘Consequentemente, o processo pode ganhar força ao ser compartilhado, já que a credibilidade deixa de ser da fonte original e passa a ser influenciada pelo responsável pelo compartilhamento da notícia’’ (ibidem, p. 8).
É possível verificar a partir dessa breve apresentação sobre a interação mediada on-line e alguns contextos situacionais, que os recursos disponíveis no contexto digital são diversos e que podem ter também inúmeras consequências e influências. Logo, é essencial entender mais profundamente as características dessas interações e, bem como, os prováveis entraves que podem ser encontrados.
Características Singulares das Interações em Contextos Digitais
A massificação e a normalização do uso de dispositivos e redes sociais, ao tentar suprir demandas de comunicação e necessidades como entretenimento, segurança e controle (Ribeiro, 2016), tem provocado mudanças, transformações e o surgimento de novos contextos no cotidiano dos seus usuários. ‘‘O uso desses recursos permite a geração de fluxos de informações que podem assumir diferentes formas, lugares, contextos e temporalidades’’ (Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, 2018). Dessa forma, se torna essencial entender como essas comunicações são afetadas com o adicional da tecnologia e quais seriam as características que acompanham essas interações em contexto digital, ao utilizar aplicativos e sites como WhatsApp, Facebook, Messenger, Snapchat, Instagram, YouTube, Twitter, Blogs, por exemplo.
Permanência ou Persistência
A primeira característica a ser destacada é a permanência, segundo os autores Ribeiro, Amparo Sobrinho e Nejm (2018) que utilizam os estudos de Boyd (2011) sobre networked publics, os ambientes virtuais possuem essa competência, pois permitem que as informações compartilhadas em seus sites e aplicativos sejam armazenadas em seus perfis, bancos de dados, plataforma ou no próprio sistema de memória dos dispositivos, através do printscreen ou gravação das telas. Dessa forma, qualquer informação, seja ela escrita, gravada, fotografada e etc, tem uma chance de nunca ser apagada, podendo ser resgatada e utilizada, inclusive, contra alguma pessoa, por exemplo.
Desde a popularização da internet e dos seus recursos, situações como chantagens usando fotos pessoais/íntimas de alguém ou, então, o cancelamento, que diariamente atinge pessoas famosas, se tornaram frequentes. Essa última situação, inclusive, colaborou para a criação de novas ferramentas que possam modificar essa permanência e permitir que, depois de um tempo determinado, informações antigas fossem deletadas de uma rede social; uma técnica utilizada no Twitter, por exemplo, por ser um site antigo e provável de deter comentários datados e preconceituosos, algo frequentemente utilizados para cancelar as pessoas públicas. Dessa forma, é possível afirmar que diferentes aplicativos vão ter graus diferentes de persistência de informações e, consequentemente, os usuários têm a tendência de ter mais cuidado com as informações e opiniões que emitem em redes sociais (Lantyer, 2020; Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, 2018; Nejm, 2016).
Buscabilidade
A segunda característica presente nos ambientes digitais é a buscabilidade, como o próprio nome sugere, é a facilidade de pesquisar informações, as mais específicas possíveis, e, como foi citado logo acima, a possibilidade de resgatar informações ao longo do tempo e em qualquer ambiente digital (Lantyer, 2020; Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, 2018; Nejm, 2016). Um os recursos que colabora para que essa buscabilidade ocorra é a utilização de Hashtags (#), pois, ao clicar na mesma, é possível acessar todo tipo de publicação que também tenha o recurso ou, então, tenha usado aquela palavra na postagem.
O Google é o exemplo rei desta característica, pois é possível encontrar múltiplas e inúmeras informações que estão armazenadas pela internet no alcance da plataforma de pesquisa. Além disso, dando um exemplo de rede social, é possível pesquisar no Instagram postagens de assuntos variados presentes no mundo todo e, também, é possível fazer esse resgate nos perfis dos usuários através da timeline temporal com as suas publicações. Contudo, essa competência também pode ter diferentes graus a depender da plataforma, pois, no Twitter, por exemplo, se uma conta forma fechada/privada não é possível acessar as suas postagens, da mesma forma, no Instagram uma conta pode ser privada, mas também postagens podem ser privadas, inclusive das pessoas que possuem acesso seguindo essa mesma conta.
Replicabilidade e Escalabilidade
Em terceiro, está o potencial de replicabilidade das informações presentes nos sites e redes sociais através do compartilhamento dentro do próprio aplicativo e em outros dispositivos, sites, etc; e por último, em quarto lugar, está o potencial de escalabilidade das informações produzidas em rede que tem a possibilidade de viralizar, como é definido na linguagem da internet, pois as publicações e compartilhamentos podem atingir escalas globais (Lantyer, 2020; Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, 2018; Nejm, 2016). A combinação dessas duas últimas características possibilitou o surgimento dos Influenciadores, que hoje são vistos como um tipo de trabalho nas redes sociais e em eventos, carreira similar às chamadas blogueiras, só que dessa vez em redes sociais como Instagram e TikTok.
Todos esses aspectos vão impactar o modo como as informações circulam e delinear como as interações em ambiente digital acontecem entre os indivíduos, como foi exemplificado em cada característica, o que desencadeia também desdobramentos nas percepções de presença e de performances realizadas pelos interagentes em contextos de interação (Lantyer, 2020; Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, 2018; Nejm, 2016). Dessa forma, a inserção dos dispositivos comunicacionais móveis é acompanhada de novas inquietações sociais geradas não só pela sensação contínua de copresença em contextos diversos e a disponibilidade de acesso constante aos pares (Ribeiro et al, 2019), mas também por conta da mistura das conexões e comunicações sociais no ambiente digital.
Dinâmicas Singulares das Interações em Contextos Digitais
Para além das características identificadas no último tópico, é necessário explicar um pouco também sobre as dinâmicas interacionais que destacam as singularidades dos contextos digitais. Segundo Lantyer (2020), Ribeiro, Amparo Sobrinho & Nejm, (2018) e Nejm, (2016), através dos estudos de Boyd (2011), existem três dinâmicas: (1) Audiências/interagentes invisíveis/não detectáveis: onde nem sempre é possível saber quem são os usuários que estão visualizando as publicações on-line, pois nem todos são/estão visíveis – as contas privadas e os compartilhamentos através de printscreen ou links colaboram para esse ponto; (2) Contextos sociais sobrepostos/colapsados: a ausência de uma separação de espaços entre os possíveis públicos que uma rede social apresenta -- amigos de infância, colegas de trabalho, família, cônjuge – pode ocasionar situações não favoráveis nos ambientes digitais, ‘‘assim como aos limites temporais e espaciais imprecisos’’ (Lantyer, 2020); (3) Fluidez entre espaços público e privado: a falta de controle sobre o contexto ocasiona imprecisões quanto aos limites sociais deixando as fronteiras e noções do público e do privado pouco delimitadas. Logo,
Com os dispositivos comunicacionais móveis, e através das diferentes aplicações que estão presentes nestes aparatos, como Facebook, Instagram, YouTube, WhatsApp, entre outras, os indivíduos passam a construir uma singular, e cada vez mais complexa, miríade de narrativas sobre si e de práticas interacionais, assentadas em esquemas representacionais e experiências sociais mediadas pelo uso de dispositivos e de ambientes tecnológicos de última geração (RIBEIRO, 2016a). (Ayres & Ribeiro, 2018, p.83)
Dessa forma, essas dinâmicas, juntamente com as características já identificadas de cada plataforma digital, vão contribuir para que os usuários se comportem de maneiras específicas quando interagem nos ambientes digitais. Ao utilizar o conceito de fachada como um equipamento expressivo padronizado, intencional ou não consciente, usado pelos indivíduos durante suas performances contextualizadas (Goffman, 2002; Lantyer, 2020), é possível estabelecer que as pessoas nos contextos digitais desenvolvem uma complexa dinâmica de controle, construção e manutenção de sua fachada, ou, trazendo para o contexto digital, o seu perfil de rede social. Por conta também dos recursos das plataformas, os usuários são beneficiados com a possibilidade de uma apresentação de si, definida como o processo de construção da fachada através de estratégias de gerenciamento das informações sobre si em relação ao outro antes da interação (ibidem, 2002; ibidem, 2020), mais coerente, controlada e articulada.
Os smartphones, por exemplo, permitem que os indivíduos possam observar e modificar o seu comportamento antes de publicar algo na internet, como por exemplo, selecionar melhores fotos e vídeos, pensar no que vai ser postado, identificar prováveis erros e entre outros cuidados. ‘‘Este exercício [...] merece ser destacado, principalmente ao considerarmos que toda a projeção que o indivíduo faz de si para os outros acaba participando da forma como se percebe a si mesmo (Ribeiro, Nejm, Barberino & Borges, 2019, p.81). Além disso, as pessoas podem utilizar cada plataforma digital disponível para construir uma apresentação de fachada diferente, onde cada uso pode ser associado a diferentes estratégias de gerenciamento da própria privacidade, logo, há um cuidado de seleção das audiências e sobre o que cada uma pode presenciar ou não na rede social em questão utilizada pelo usuário.
Um exemplo prático e atual desse tipo de gerenciamento é a criação de redes sociais, com Instagram, entre perfis pessoais e profissionais; possibilita o usuário fazer escolhas de conteúdos, tipos de exposições, público específico e entre outros aspectos, sem que quebre a sua fachada profissional. Em suma, a depender da rede social, haverá modificações no formato das publicações (fotos, vídeos, textos próprios, textos de outros, etc.), a linguagem escolhida para utilizar, frequência de postagem e diferenças ou não das estratégias usadas nas interações em copresença física sem mediação digital (ibidem, 2019).
Conclusão
É evidente que, com a revolução digital e os seus desencadeamentos, a produção em massa dos dispositivos e a inserção dos mesmos e da internet no cotidiano das pessoas, transformou todo tipo de interação social existente. As interações sociais se modificaram para se ajustarem aos contextos digitais o que, positivamente, ampliou, acelerou e melhorou as formas de comunicação, contudo, juntamente com esses aspectos, também foram agregadas novas problemáticas: adaptação aos ambientes, a falta de separação de audiência dos ambientes, a constante cobrança de resposta e entre outros. Logo, podemos pensar que, mesmo com uma evolução tecnológica veloz e positiva, o caminho para uma adaptação confortável e esclarecida nos seus limites, espaços, possibilidades e outras características construtivas, ainda precisa ser construído e internalizado, pois as normas sociais continuam em vigência e sendo monitoradas nesses contextos digitais.
Para além da utilização dos dispositivos tecnológicos e da internet para manter e construir novas comunicações, os contextos digitais estão exigindo e proporcionando novas formas de lidar com o público e privado, como lidar com audiências diversas e como lidar com números de visualizações gigantescos. Em suma, torna-se um fato que as características e dinâmicas singulares fazem essas interações serem mais complexificadas e amplificadas, além de transformar e modificar as experiências e as formas de desenvolver interações, por conta dos constantes melhorias e recursos.
Como citar
FARIAS, A. M. As interações sociais e os ambientes digitais: conexões, influências e reflexões sobre o cenário atual. Blog AMF. Salvador, 28 de dezembro de 2023. Disponível em: https://alanamarafarias.wixsite.com/blog/post/as-interacoes-sociais-e-os-ambientes-digitais-conexoes-influencias-e-reflexoes-sobre-o-cenario-atual
Referências
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