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Foto do escritorAMF

A representação social do corpo e a influência da Barbie em práticas ditas femininas

Atualizado: 27 de dez. de 2023

bonecas barbie com as suas peças separadas do corpo

O corpo é uma tela em branco na qual a cultura se inscreve. Logo, quando é necessária discussão sobre ‘‘corpos gendrados’’ (Sardenberg, 2002), é essencial pensar o corpo como um produto histórico que vai servir como objeto de representação e práticas sociais; categorias como gênero, raça, etnia, idade e entre outras marcações diferem, rotulam e tipificam esses corpos. Nos noticiários, por exemplo, é possível perceber a diferença entre uma pessoa branca e uma pessoa negra com porte de drogas, as descrições para a primeira são suavizadas, ‘‘jovem é preso com drogas’’, e para a segunda extrapoladas, ‘‘traficante é preso com drogas’’; nesse caso os impactos são produzidos pela raça da pessoa.


Desde a infância, todos em sociedade são influenciados a adequar o seu corpo e comportamentos em normas específicas de determinada sociedade, exercendo ‘‘procedimentos (...) de socialização e disciplinamento do corpo, ou seja, de procedimentos específicos para educar, subjugar, manipular e controlar o corpo, amoldando-o de acordo com os padrões vigentes’’ (Sardenberg, 2002), mantendo assim não só uma certa hegemonia, mas também um controle social. Então, desde a infância até o último dia de vida, por exemplo, é colocado em prática o controle de necessidade fisiológicas; de externalização ou não de emoções; de contato com determinadas pessoas de acordo com sexo, idade, raça; ou o controle corporal a partir de métodos invasivos, como uso de contraceptivos. Além dessas práticas, existem uma gama de outras normas e segmentos que são normalizadas e cobradas socialmente, estabelecendo, assim, um contrato de fiscalização social entre sociedade-pessoa e pessoa-pessoa, de forma involuntária.

‘‘(...) é fundamental observar que, se por um lado o corpo é de/marcado involuntariamente, por outro, é também inscrito através de procedimentos “voluntários” de modelagem, ou de auto-produção, que exprimem a interiorização de modos de vida, hábitos, comportamentos, relações sociais (GROSZ, 1994, p.141) e, em última instância, exprimem a corporificação das subjetividades (ROTHFIELD, 1995, p.169).’’ (Sardenberg, 2002, p.58),

Ou seja, não só existe a imposição social dessas normas, mas também auto-produção a partir de cada sujeito de forma voluntária, procurando a aceitação dos indivíduos ao seu redor ativamente. Como exemplifica Sardenberg (2002), retornando a Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher” (ou homem), visto que a identidade de gênero não é algo fixo e sim uma construção social, uma variável fluida, mutável e mutante. Dessa forma, constante e diariamente, milhares de pessoas se submetem a determinados rituais para se tornarem mulheres ou homens a partir do que é estabelecido pela sociedade e, assim, serem definidos aos olhos dos outros em suas identidades de gênero, raça, classe, etnia e entre outras demarcações. E tudo isso acompanhando os padrões vigentes da sociedade.

mulher com corpo gordo usando biquini enquanto segurando uma fita métrica ao redor da cintura

Como já foi dito anteriormente, desde crianças os corpos são influenciados de várias formas a seguir um padrão específico, a partir dessa afirmação a boneca Barbie é colocada como um objeto influenciador na infância e no decorrer do crescimento de crianças, principalmente meninas. Visto como ‘‘Uma cultura inventada pelos adultos para aumentar a lucratividade por meio da venda de brinquedos (...). Esse produto traz consigo uma pedagogia que objetiva ensinar a supremacia de um tipo de corpo, raça e comportamento’’ (Oliveira, 2016). Aos 63 anos, a Barbie percorre uma longa trajetória como símbolo feminino que marca a infância de muitas gerações, é notória a influência dessas bonecas na vida de meninas e mulheres que buscam se alinharem aos padrões estéticos corporais. A Barbie conseguiu sua fama por conta de seus diversos dispositivos atrativos, como a publicidade, narrações inovadoras, novidades a cada edição e entre outros métodos; a replicação da sociedade é feita de forma melhorada, moderna, o que chama atenção de diversos públicos, principalmente aqueles que não são similares ao produto. É importante expor que:

A formação das identidades das meninas é determinante para a história das mulheres. Sendo assim, o brinquedo exerce um papel fundamental na formação da história social. A boneca Barbie não possui um dispositivo de voz, as meninas falam por ela nas brincadeiras, fingindo ser a Barbie. E se fazem ouvidas, uma vez que as estratégias de publicidade infantil estudam as demandas das consumidoras infantis. (Oliveira, 2016, p. 2)

Desde o começo de sua criação, a boneca já foi pensada em um contexto específico para uma criança, filha adolescente dos criadores, porém sendo diferente de uma boneca de bebê e o oposto do estereótipo da dona de casa americana do pós-guerra. A Barbie foi inspirada em uma boneca alemã que era voltada para o público adulto, a Bild Lili, além disso outras inspirações usadas em sua imagem foram atrizes famosas da época, como Grace Kelly, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot. Segundo a autora Fernanda Roveri (2012) a boneca estimula nas meninas a maior valorização estética por conta do corpo irreal que a Barbie expõe, fazendo com que, inclusive, mulheres adultas busquem esses corpos a partir do uso de procedimentos estéticos, como silicone, botox, formol nos cabelos e outros artifícios. Em suma, o impacto do brinquedo sempre foi maior que o imaginado, pois:

A boneca sempre vendeu consigo mais que um estilo de vida fantasioso, uma verdadeira narrativa de como a “mulher moderna” deveria se comportar e pensar no mundo. Isso não só mexia com o imaginário infantil, mas também com os anseios adultos, ainda mais se pensarmos que a Barbie surge no período pós-guerra, no qual todos sonhavam com um mundo de atmosfera mais leve e tempos de paz. (SILVA, 2014) 
sequência de bonecas barbie

A afirmação de que a Barbie representa também os anseios da vida adulta, é melhor percebida quando se analisa as versões lançadas com o passar dos anos, a partir da década de 70 diversas profissões como atleta olímpica, professora, médica, veterinária e dentre muitas outras foram lançadas. ‘‘Na história lúdica da boneca, a Barbie não se casou, não teve filhos e não constituiu família nos moldes tradicionais’’ (Oliveira, 2016), o que remete à uma independência feminina nunca antes vista. Ou seja, a Barbie configura-se como imagem e como ícone de mulher a ser seguido: independente, business woman, dona de um corpo desejável e uma vida maravilhosa; essa imagem repercute em muitos dispositivos, não apenas em boneca, mas também ‘‘(...) por meio de inúmeros outros produtos: filmes, roupas e acessórios, carros, móveis, animais de estimação, jogos eletrônicos, sites da internet, decorações de festas infantis, roupas infantis (...) e tantos outros produtos’’ (Altmann, 2013). Um lucro enorme e contínuo construído em cima dos desejos e do consumismo feminino e infantil, pessoas que estão em busca de tornar-se mulher aos olhos da sociedade, de conquistar aspectos estéticos irreais e praticar modelos de feminilidade pré-definidos.

Entre os anos 1959 e até a atualidade, a Barbie renova-se no mesmo ritmo do mercado de consumo. Ela ganhou namorado, amigas, casas, carros, além de adquirir uma identidade representacional da mulher branca, alta, heterossexual e, principalmente, consumidora. Imagem e identidade produzida nos laboratórios da empresa, envolvendo a criação e a publicidade com vistas ao consumo ou a reprodução deste modelo pelas meninas. (SOUZA; FRANQUI; SIMILI, 2014, v. 8, p.414)

Para se encaixar à essas características, no Brasil, não muito diferente da população dos EUA (Estados Unidos da América), a sociedade reproduz certos comportamentos, Sardenberg (2002), ao citar Brownmiller, expõe os muitos treinamentos e rituais que são utilizados, como a forma de andar, correr, sentar, falar e verbalizar, além disso, para a autoprodução da feminidade, são feitos procedimentos de remoção de pelos (nas axilas, pernas, buço, sobrancelhas, etc.); de cuidados com unhas dos pés e das mãos, cortando-as, lixando-as, pintando as nas cores da moda; de pentear, pintar, cortar, cachear ou alisar os cabelos segundos os estilos em voga; de maquiar olhos, lábios e de outras práticas semelhantes de produção de uma “mulher”. Logo, por serem disciplinadas desde muito pequenas, as pessoas consideram essas práticas corporais de gênero como “naturais” ou próprias da feminilidade, sendo assim seguidos por todas as pessoas que querem ser vistas e consideradas socialmente como tal.


É importante ressaltar que essas influências em busca do corpo e da imagem socialmente perfeita não cessam nas práticas corporais e de comportamento com foco estético. Essas ações são o pontapé para comportamentos de risco em relação à saúde física, mental e o bem-estar geral da pessoa; a disposição comportamental (Straub, 2014) é o ponto de referência que vai definir a chance de uma pessoa, em momentos específicos, envolver-se em comportamento de risco. Ou seja, uma maior disposição comportamental está diretamente ligada à confirmação de que outras pessoas afetivamente significativas, em especial amigos, participam e aprovam o comportamento em questão. Não é à toa que grande parte, principalmente, das mulheres desenvolve ansiedade, bulimia, anorexia e entre outros problemas de saúde por conta dessa fixação, controle e cobrança social com a forma que a feminilidade é praticada, se escondendo atrás de discursos ditos em prol do ‘‘corpo saudável’’. 

duas mulheres gordas sentadas no chão sorrindo

Em suma, como expõe Sardenberg, para alcançar os padrões estéticos hegemônicos os sacrifícios impostos aos corpos femininos são variados, dolorosos e parecem que nunca chegarão em um fim e, realmente, se a sociedade prosseguir dessa forma “Quem quer ficar bonita tem que sofrer” e vai sofrer muito mais (Sardenberg, 2002, p.61). É interessante ter atenção em práticas cotidianas e no que as pessoas se deixam influenciar, no objetivo e nas consequências dessas ações. Além de si mesmo, é importante zelar pelo o que é compartilhado socialmente para que o errôneo não continue sendo concretizado como verdade.


Como citar:

FARIAS, Alana Mara. A representação social do corpo e a influência da Barbie em práticas ditas femininas. Blog AMF, Salvador, 26 de jul. de 2022. Disponível em: https://alanamarafarias.wixsite.com/blog/post/a-representação-social-do-corpo-e-a-influência-da-barbie-em-práticas-ditas-femininas


Referências

ALTMANN, Helena. Barbie e sua história: gênero, infância e consumo. Pro-Posições, v. 24, n. 1 (70), p. 275-279, jan./abr. 2013

FREITAS, Maria C. S. Mulher Light: corpo, dieta e repressão. In: Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador: NEIM/UFBA, 2002.

OLIVEIRA, Gabriela Miranda. Da menina à mulher: O empoderamento feminino como estratégia de publicidade na propaganda da boneca Barbie em detrimento da vaidade e submissão do primeiro comercial (1961-2015). In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 20., 2016, Uberaba. Anais eletrônicos [...]. Uberaba: ANPUH, 2016.

PADILHA, Karla Dayane De Sousa et al. Anais V FIPED... Campina Grande: Realize Editora, 2013.

ROVERI, Fernanda. Do rosa ao choque: Barbie na educação das meninas. São Paulo: Annablume, 2012.

SARDENBERG, Cecília M. B. Mulher Frente à Cultura da Eterna Juventude: Reflexões Teóricas e Pessoais de uma Feminista “Cinqüentona”, In: Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador: NEIM/UFBA, 2002.

SILVA, Rosângela Barbosa da. Boneca Barbie: apocalíptica ou integrada. Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 11, n. 2, p. 39-46, jul./dez. 2014

SOUZA, Michely Calciolari de; FRANQUI, Renata; SIMILI, Ivana Guilherme. A educação das meninas a partir da boneca Barbie e seus padrões. Revista Eletrônica de Educação, [s. l.], v. 8, ed. 2, 2014.

STRAUB R. Permanecendo saudável: prevenção primária e psicologia positiva. In: Psicologia da Saúde: uma abordagem biopsicossocial. Porto Alegre: Artmed; 2014. p. 144–177.

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